19/01/2007

Sondagens e falta de informação


Muito se tem dito e escrito sobre as sondagens até agora realizadas e os estudos e relatórios que estimam o número de abortos realizados em Espanha, e a sua evolução com a despenalização. Os números são estes, sem mais comentários:



A liberalização e o aumento dos abortos
  • Abortos legais em Espanha em 1995 (incluindo os abortos realizados fora de Espanha), depois da revisão da lei de aborto, que permite alegar “saúde mental” da mulher: 49.367
  • Abortos legais em Espanha em 2004: 84.985 (aumento de 72%)
  • Abortos legais em Espanha em 2005: 91.664
  • Números não oficiais de 2006 apontam para mais de 100.000.
É lugar comum argumentar-se que em Espanha o número de abortos aumentou todos os anos desde que foi despenalizado por causa das portuguesas que lá vão abortar, devido às restrições da lei portuguesa.
Ora, isso implicaria que 51000 mulheres portuguesas (a diferença entre os valores de 2006 e os de 1995) tivessem realizado um aborto em Espanha, ou seja, teriam sido mais que as próprias mulheres espanholas. Obviamente, é uma mentira, mas facilmente desmontável. Mesmo assim, pode "pegar" se não estivermos devidamente informados.

A sondagem TVI/PÚBLICO/RCP feita pela Intercampus, divulgada recentemente, permite conclusões interessantes. A mais surpreendente é que ao mesmo tempo que prevê uma vitória do Sim no referendo, indica que as pessoas estão satisfeitas com a lei actual. Quando se pergunta às pessoas que pensam votar Sim as razões que, especificamente, devem poder na sua opinião justificar legalmente um aborto, a resposta coincide maioritariamente com as razões já hoje previstas na lei.
A maioria (quase 60%) tem dúvidas relativamente à legalização do aborto em casos de falta de meios da mãe para sustentar a criança, preferindo condenar que a sociedade force a mãe a abortar por insuficiência de meios económicos em vez de lhos fornecer para que tenha o filho, quando esse é o motivo do aborto. Exige, portanto, o o fim dos abortos impulsionados pela falta de meios económicos.
Conclui-se que se entende que uma sociedade digna e preocupada com os seus indivíduos não deve nem pode permitir que uma única mãe aborte por falta de meios económicos. Há um consenso na preferência pelo apoio à maternidade em detrimento do acto de facilitar um aborto.

Outro ponto relevante é que os portugueses não querem o aborto livre ou a pedido (44%), apenas "porque sim", sem qualquer tipo de ponderação de interesses, e mostram desconhecer que o voto no Sim assim o permite. As pessoas menos informadas tendem a votar Sim, o que não deixa de ser curioso. São, contudo, as pessoas com maior grau académico, as menos informadas.

Rejeitar o aborto livre até às dez semanas e votar Sim poderá parecer um paradoxo. O responsável pela Intercampus declarou em entrevista à rádio que considera que as pessoas não estão devidamente informadas sobre o que está verdadeiramente em causa, podendo ler-se no Público que "existe muita confusão sobre o que está em causa". A pergunta é enganadora e o debate não está a ser claro nem esclarecedor. A campanha do SIM tem conseguido associar o voto Sim a três aspectos fundamentais:
  • a extinção do aborto clandestino em Portugal: uma vez que o Ministério da Saúde apenas garante confidencialidade a quem o realizar em clínicas privadas, com o custo mínimo de 300 euros, continuará, como acontece nos países que possuem aborto despenalizado, a fazer-se abortos mais baratos clandestinamente;
  • o fim da perseguição e humilhação das mulheres que realizam um aborto, mesmo sabendo que a lei não muda para nenhum dos casos julgados até hoje em Portugal, em que se tratou de abortos realizados além das 10 semanas de gravidez;
  • o acto de despenalizar sem liberalizar, ficando as pessoas no desconhecimento que será livre, por "opção da mulher", até às 10 semanas, como indica a própria pergunta do referendo.
Portanto, está de facto instalada a confusão na opinião pública, e mostra-se que as pessoas, ingenuamente, têm absorvido estes argumentos sem reflectir apesar de, depois de ser explicadas as implicações de cada voto com objectividade, se manifestarem quase invariavelmente de acordo com um Não no referendo. É a luta pela informação que é preciso travar com seriedade.

Esclarecidas verdadeiramente as pessoas de que o voto no Sim permite o aborto livre, ou seja, sem apresentação de motivo até às dez semanas, elas não votam Sim, votam antes Não. Além disto, quase todas as pessoas pensam que o aborto será gratuito, nos hospitais públicos, após consulta médica. Desconhecem o aborto anónimo será em clínicas privadas, sem consulta prévia noutro local, sem apoio financeiro, psicológico ou de qualquer outro nível, suportando todos os custos. Há um forte trabalho por fazer: esclarecer as pessoas do que está verdadeiramente em causa e ajudá-las a não serem enganadas. Decidam o que decidirem, que o façam com base na verdade, tendo noção e consciência do que está em causa. Deveria ser esse o intuito fundamental dos dois lados radicais da campanha.

NOTA POSTERIOR: Sondagem SIC EXPRESSO dá vitória do Sim por uma margem de apenas 5%.

Pedro Daniel Almeida

Sem comentários: