28/01/2007

Gato por lebre

Vou votar SIM porque não quero ver mais mulheres julgadas pelo crime de aborto. Vou votar SIM para acabar com o aborto clandestino em Portugal. As duas frases mais ouvidas por mim junto das pessoas com quem falo deste assunto. Ambas evocam bons motivos, pena é o referendo não ser para despenalizar o aborto, nem para extinguir o clandestino, senão eu próprio, logicamente, votaria SIM.

Diogo Freitas do Amaral e Rosário Carneiro, respectivamente Ministro e deputada do PS até 2006, propuseram
o fim dos julgamentos e das penas para TODAS as mulheres que realizassem um aborto, em TODAS as circunstância, em TODAS as semanas de gravidez. Se a lei actual, com essa alteração, for cumprida, temos em Portugal abortos pelos mesmos motivos do que em Espanha e acaba-se com as prisões e os abortos clandestinos, duma só vez, com as vantagens de haver apoio e acompanhamento às mulheres que queiram abortar, e sempre que possível aos seus companheiros. O PS, o BLOCO DE ESQUERDA e o PCP nunca quiseram essa solução. Porquê? Agora gritam bem alto pela despenalização que nunca quiseram, pois sabem bem que o que está em jogo é a liberalização!

As mulheres merecem bem melhor e diferente do que o direito a irem a uma clínica privada fazer um aborto, ao seu próprio custo. Pelo menos haja um psicólogo que as acompanhe. A mulher é a PRIMEIRA VÍTIMA da sociedade. Um aborto não se faz de ânimo leve. E o pai da criança sempre que possível, deve ter os seus direitos salvaguardados.
O adultério passa a ser motivo para um aborto, sem conhecimento do marido. Qualquer adolescente, digamos de 16 anos, necessita da assinatura dos pais para ir a um passeio da escola, mas poderá fazer um aborto sem contar aos pais.

Há o outro lado da medalha, que são as mulheres que apesar de terem uma gravidez inesperada, depois querem ter o filho mas não têm dinheiro para o criar. A única alternativa que lhes damos com este Sim é o aborto. Que haja alguém que receba a mulher, e lhe dê uma alternativa, apoio humano, financeiro e médico (Na Alemanha, depois da liberalização do aborto, agora o Estado oferece 25 mil euros e quem tiver um filho...).

Concorda com a despenalização do aborto, em toda e qualquer semana, pelos motivos que estão actualmente na lei?

Sim, sem restrições nem prazos.

Concorda com a despenalização do aborto, sendo este gratuito no Serviço Nacional de Saúde, e sendo a mulher (e o homem sempre que possível) acompanhada devidamente?

Sim, sem dúvida alguma.

Mas o que está em referendo é:

- Concorda que a realização de um aborto, se realizado até às 10 semanas, deva ser legal sem apresentação de um motivo, sem acompanhamento à grávida, numa clínica privada, do seu próprio bolso?

A isto eu digo não.

Repare, as pessoas que votam Não, não o fazem por serem más pessoas, fazem-no por quererem uma lei mais justa para todos. Para que não se vote gato por lebre. Não queremos que o Estado fuja à sua responsabilidade em ajudar as pessoas de forma séria.

Esta pergunta é enganadora e despenaliza, isso sim, as parteiras ilegais, os médicos cúmplices do aborto clandestino, abre o negócio das clínicas privadas, que viverá do sofrimento das mulheres. Onde estão as vozes amigas das mulheres afinal? Do lado do Sim? Deste sim?


26/01/2007

A pergunta do referendo

Sem complexos nem rodeios, a lei em referendo pergunta o seguinte:

"Concorda que a mulher, em decisão única e exclusiva*, deva ter um prazo adicional de 10 semanas após engravidar, para pensar se quer ter o filho ou se quer um aborto (com ou sem motivo), sem apoio nem acompanhamento?"


* mesmo que seja menor, não precisa informar os pais. O pai da criança nunca tem que ser avisado.
No fundo acaba-se com o "Querido, estou grávida, vais ser pai" e passa-se para o "Querido, estou grávida, daqui a 10 semanas aviso-te se vais ser pai ou não". (veja esta reflexão)

Indispensável por fim a leitura da seguinte opinião.


A Igreja é intolerante?

Não sou religioso, não acredito em nenhum Deus nem creio em nenhuma religião. Contudo, há algo que me fascina em todas: a fé. Tenho um profundo respeito, admiração até, pelo que as pessoas fazem por terem fé (no fundo fé em si mesmas).
Fala-se muito da posição da Igreja Católica, e assume-se à priori que é contra por motivos aberrantes e por isso apela ao Não. Estou seguro que muitos ficarão supresos com o pensamento de D. José Policarpo, representante máximo da Igreja em Portugal.
foto tirada do Expresso

O Bispo de Viseu, D.Ilídio Leandro, disse esta semana que a pergunta do referendo "engloba três realidades autónomas e independentes, mas depois, por má fé, os movimentos pelos ‘sim’ apenas carregam numa tónica, que é a despenalização da mulher. Se fosse só isso que estivesse em causa, votava ‘sim’, reafirma." Está em causa também o aborto livre até às 10 semanas, e a opção ser "da mulher" sem informar o companheiro em circunstância alguma, ou os pais se for menor de idade.

Para o Bispo de Viseu, a mulher “é a vítima de toda a situação do aborto”, porque fica “sozinha e abandonada numa sociedade que apenas lhe aponta o dedo”. Defende por isso a despenalização, que consta da pergunta, mas não a liberalização, que consta da lei que o Sim aprova, e que é escondida dos votantes pelos movimentos do Sim.

Referendo interno I - resultados

À pergunta "Concorda com a liberalizacao do aborto, ate as 10 semanas, por decisao unica da mulher?", os visitantes deste blogue responderam, entre os dias 17 e 25 de Janeiro:

SIM, em todos os casos e qualquer que seja o motivo - 45%

NÃO, só em caso de violação ou problemas na gravidez, investindo na educação sexual e planeamento familiar 55%

Inicia hoje, altura em que faltam 16 dias para o Referendo, uma nova votação, desta vez com uma pergunta que (realmente) se refere à lei que se vai aprovar se o Sim ganhar. Veja por favor na barra do lado direito do blogue, ou aqui.

25/01/2007

Se o Sim ganhar...

Começo por sugerir a indispensável leitura de "As (in)verdades do SIM", de Pedro Vassalo.
Depois, peço-lhe que reflicta no que abaixo se expõe:

Se o Sim vencer neste referendo, o aborto passará a ser uma actividade menos regulamentada que:
  • o consumo de tabaco (taxas elevadas, proibição da publicidade, consumo proibido a menores, campanhas públicas contra)
  • a venda de medicamentos (limites à publicidade, limites à propriedade de farmácias)
  • a advocacia (limites à publicidade)
  • a condução automóvel (proibida a menores, campanhas públicas pela segurança)
  • o consumo de alcool (proibido a menores e condutores; publicidade limitada; impostos elevados, campanhas públicas contra)
  • espécies em vias de extinção (proibido caçar e traficar, proibido destruir habitat)
  • caça (proibida fora de época)
Questões a regulamentar em breve:
  • passagens de modelos de anoréticas
  • publicidade à alimentação para crianças
  • junk food
  • fumo nos restaurantes
João Miranda no ablasfémia

Qualquer adolescente de 16 anos precisará de assinatura dos pais para ir a um passeio da escola. Quanto a um aborto, não será necessário tanto formalismo, bastará fazê-lo.

O que tem isto a ver com despenalização?

23/01/2007

A ESCOLHA de Marcelo Rebelo de Sousa

O professor manifesta a sua interessante opinião no seu site: ASSIM, NÃO!
Brilhante exposição da verdade em torno deste referendo, assim temos uma campanha digna e séria. Com vários vídeos a não perder.

22/01/2007

A verdade sobre o referendo, sem complexos

No dia 11 somos todos chamados a dizer Sim ou Não a uma lei. Vejo poucos interessados em conhecer a actual e a que é proposta, mas isso é o que vamos votar, e não outra coisa. Vejamos então. Em Portugal, temos actualmente uma lei que permite o aborto, gratuito e em hospitais públicos, até às:

12 semanas: risco de vida ou de saúde física, mental ou psíquica da mulher;
16 semanas: violação ou outro crime sexual;
24 semanas: risco de malformação do feto.

É precisamente igual à lei que vigora em Espanha. Sem diferença absolutamente nenhuma. Então como é que o aborto é legal lá e não é aqui? A cláusula até às 12 semanas em ambos os países é a seguinte, transcrevendo na íntegra:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;

Começo por esclarecer um ponto importante: o aborto é um crime e assim continuará após o resultado do referendo de 11 de Fevereiro, independentemente desse resultado. Depois, a alínea acima transcrita é de "claúsula aberta", servindo perfeitamente em Espanha para abranger os casos críticos em que a gravidez não deve seguir, incluindo quando provoca alterações sérias ao curso de vida futuro da mulher. Inclui abortos por a mulher ser muito nova ou ter problemas sociais, económicos ou familiares sérios. Obviamente, considera-se que nesses casos o aborto constitui o único meio de "remover o perigo de lesão para a saúde psíquica da mulher grávida". A diferença é que em Portugal não é aplicada devidamente, por uma questão de hábito. Se se fizer aplicar, resolve completamente o problema. É uma alternativa à proposta do referendo, e é defendida por pessoas como Diogo Freitas do Amaral ou Marcelo Rebelo de Sousa. Não somos tontos insensíveis, ao ponto de querer prender as pessoas por fazer abortos ou condená-los por loucura. Essa alternativa não é uma mentira, e é por isso que devemos votar Não.

O que a alteração à lei proposta em referendo permite é, e por isso se usa essa expressão, o que se designa por liberalização total do aborto, desde que efectuado até às primeiras dez semanas de gestação. Isto porque além de abranger os casos acima falados, onde se procura o envolvimento do companheiro ou, caso a grávida seja menor, dos seus pais, esta lei do Sim permite pelo contrário a realização de um aborto sem qualquer motivo. Isto é muito sério e muito grave! Admite-se legalmente que uma mulher faça um aborto sem dar conhecimento ao cônjuge ou, caso seja menor, aos pais, e sem ter qualquer motivo para além da vontade. É disto que se trata.

As mulheres espanholas serão mais "oprimidas" do que as mulheres portuguesas nesta matéria? Não consta que haja problema em Espanha neste sentido. Pelo contrário, as prioridades do SNS passam por coisas bem diferentes do que o aborto, nomeadamente por criar as condições para que as normas que registei acima sejam aplicadas, sem complexos, sempre que seja necessário. Não é preciso mais nada. Defender este "sim" que vai a referendo, neste claríssimo contexto legal, é a mera afirmação política de um "sim porque sim". Não é por acaso que há uma mobilização política fortíssima em torno deste referendo... Não há boas pessoas dum lado e más pessoas do outro.


Em suma, na prática a lei proposta no referendo pretende acrescentar uma quarta alínea à lei, que permita o aborto gratuito mas sem confidencialidade nos hospitais públicos, ou pago inteiramente pela mulher numa clínica privada confidencialmente, até às:

10 semanas: porque sim, "por opção da mulher" sem ter que apresentar qualquer motivo.

Este Sim em concreto abre margem a que se possa...
  • dizer a uma mulher sem condições económicas para criar um filho que a ÚNICA solução que a sociedade lhe dá é a realização de um aborto;
  • dizer a uma mulher sem vontade de ter um filho naquela altura da vida que a ÚNICA solução é pagar um aborto confidencial, à margem de uma sociedade indiferente, sem apoio de ninguém, a nenhum nível;
  • dizer ainda a todas as mulheres que não precisam de nenhuma razão para fazer um aborto, sozinhas e abandonadas.
Podemos tentar florear a questão com questões éticas, morais, de discriminação ou outras, mas não se trata doutra coisa senão disto: da forma que encontramos para que a sociedade e o país ajude quem precisa. Actualmente, faça-se cumprir a lei existente, que é a mesmíssima lei, à vírgula, que há em Espanha, e temos o problema dos defensores do Sim resolvido, sem liberalizar. Não é preciso liberalizar para despenalizar. Basta pensar: se a lei actual não é cumprida, será uma lei mais ampla cumprida? Vamos refrear os ímpetos e os ânimos e pensar individualmente. Escolha-se o caminho...

Indispensável a leitura da carta de Maria Clara Assunção, no blogue de Cláudio Anaia (dirigente do PS).



21/01/2007

A tão falada... ESCOLHA

(clique para ampliar)

ESCOLHA SEM ALTERNATIVA?

Tanto se fala das estatísticas dos outros países onde o aborto é legal. Falemos então: em França criou-se o movimento "30 ans-ça suffi"(30 anos-basta!) aquando dos 30 anos da lei actual, em 2004. O número de abortos subiu, segundo números oficiais, para mais de 600 POR DIA. O Estado evita assim gastos em planeamento familiar. É mesmo isto que queremos para Portugal?

20/01/2007

"O Sim responsável" por...

UMA MENTIRA de um cartaz fraudulento:
A VERDADE "vinda de fora"

É absolutamente chocante e indigno que o PS, partido maioritário e do Governo, insista na técnica da mentira e da demagogia para procurar enganar os portugueses no fito de tentar ganhar votos. Não há em Portugal uma só mulher em situação de prisão por crime de aborto. Os socialistas têm a obrigação de retirar este cartaz e renunciar a técnicas indignas e vergonhosas de publicidade enganosa.
(José Ribeiro e Castro - líder do PP)

A VERDADE "interna"

Lamentamos que o nosso PS entre neste tipo de discurso, quando é sabido que em 30 anos de democracia nunca uma mulher foi presa pela prática de aborto. A revisão do Código Penal prevê a suspensão de penas até três anos de prisão, casos onde está incluído o aborto. O PS deveria preocupar-se com outras coisas, como canalizar os 10 milhões de euros que vai gastar no referendo, para as mulheres que precisam de ajuda.
(Cláudio Anaia, dirigente do PS
, e dos socialistas defensores do Não)

Carta aos indecisos


Caro indeciso,


Creio que não nos conhecemos e talvez nunca nos tenhamos cruzado, mesmo assim decidi escrever-lhe a propósito do próximo referendo sobre a despenalização do aborto.

Começo então por lhe agradecer se tiver uma opinião bem formada e intencionada, é sempre muito agradável encontrar pessoas que reflectem com serenidade no assunto. Este assunto deve ser encarado com calma, embora seja impossível por vezes, pelo menos para mim, controlar todos os ânimos. Envolve aquilo que é mais profundo em nós: a nossa condição de humanos, os nossos sentimentos e o nosso sentido de justiça. A nossa forma de pensar é muitas vezes toldada, concordo consigo, por radicais em campanha, quer pelo Sim, quer pelo Não. Do lado do Não, defendem com todo o fervor a questão do momento em que começa a vida humana, a pessoa humana ou o ser humano, ou abordam a questão de uma perspectiva religiosa ou com a detenção de uma moralidade suprema sobre quem pratica um aborto. Do lado do Sim, defendem a total liberalização do aborto, quase como se fosse mais um banal método contraceptivo, ou então levam ao extremo a propaganda política daquilo que temos mais à esquerda no país. Em ambos os casos, não se dispõem ouvir as outras pessoas, querem antes convencê-las a todo o custo que eles estão certos e os outros não. Como se perdessem alguma da razão que pensam ter por ouvirem os outros. Urge um debate sereno (mas não morno) de ideias e uma busca de consensos.

Começo por discordar que nenhuma lei é inteiramente justa. Apenas não o será se tentarmos nela integrar todos os conceitos individuais de justiça, mas neste caso penso que todos percebemos bem o que se pode dizer que está certo e é desejável, e o que está errado e deve ser corrigido. Portanto é muito importante começar por perceber bem qual é a lei actual e qual é a alteração que vai a referendo. A maior parte das pessoas desconhece que, por exemplo, a lei actual é exactamente igual à lei em Espanha, e que a alteração proposta é mais ampla do que qualquer lei em vigor na Europa.

Eu penso que a maioria das pessoas que vão votar Sim o fará por dois motivos: a falta de informação e uma enorme vontade de tornar o mundo melhor. Parece contraditório, mas não é. A falta de informação daqueles que votariam Não se vissem que principalmente desde 1998 muito tem sido feito pela ajuda às mulheres que se deparam com gravidezes inesperadas e indesejadas. Como não vêem, olham para quem defende o Não como alguém que defende moralismos impuros e na prática não faz nada pelo apoio àqueles que tanto sabemos necessitarem. Olham com natural desconfiança, desacreditam e votam Sim com tristeza. Muito provavelmente, caso o leitor seja um jovem como eu, será o caso dos seus pais. Outros têm uma enorme vontade de tornar o mundo melhor, não suportam que mulheres sejam presas e humilhadas para além daquilo que já sofrem pela situação em si mesma, e remetem para cada um a liberdade de fazer a sua escolha. Defendem a integração de toda a mulher que realize um aborto numa estrutura de planeamento familiar. Fazem-no com uma genuína e admirável preocupação por todas as pessoas que passam por uma situação complicada que as leve a fazer um aborto. No fundo, creio que este é o primeiro impulso de todos, mesmo de um votante no Não. É um voto nobre, que demonstra que há muitas pessoas preocupadas e que querem ter uma voz e um papel activo na mudança das coisas.

Penso ainda que a maioria das pessoas que vai votar Não o faz também por dois motivos. O primeiro é a defesa suprema do valor da vida que associam ao feto ou embrião, e portanto não o fazem por um motivo que possa ser condenável. Apenas não é a minha posição. O segundo é encararem o aborto como um sintoma de uma doença profunda da sociedade: a precariedade, a falta de informação das pessoas, de planeamento familiar e de educação sexual e, sendo isto que os distingue dos votantes no Sim, quererem seguir esse caminho para a solução do problema. Querem a aplicação da lei actual como uma solução que evite a liberalização do aborto. Acreditam que o problema se deve resolver de raíz, apoiando cada indíviduo da sociedade desde muito cedo na sua vida, ao longo da sua educação, para evitar que alguém tenha que fazer um aborto, pois antes dele surge uma gravidez indesejada, e que é aí que se deve atacar. No fundo, não se batem pela eliminação do sintoma, mas da doença, o que não deixa de ser, na minha opinião, fruto de uma honesta vontade de resolver o problema, consagrando na lei os casos de violação, de malformação grave do feto, de perigo de saúde ou vida para a mulher grávida, de perigo de sequela psicológica para a mulher grávida, lutando também contra todos eles em simultâneo. Pretendem a integração de todos no planeamento familiar antes da primeira gravidez, sem esperar por um primeiro aborto.

Nenhuma destas pessoas está mais certa ou perto de ter razão do que outra. Cada uma defende um caminho possível, acreditando que é o mais correcto. Isto é o que torna o debate tão complicado, mesmo depois de excluídas as posições mais extremistas.

Muitas pessoas defendem que legalizar é fazer com que algo clandestino passe a ser controlado e a ter regras, e também que despenalizar é considerar desnecessário o cumprimento de uma pena. Permitam-me que comente.
Quanto à primeira afirmação, legalizar é adquirir para lei e código geral de conduta algo que é em si mesmo benéfico para a sociedade, ou, não o sendo, não a prejudica tanto como a situação contrária. Como concordamos todos que o aborto deve ser combatido e evitado, resta-nos que deva ser legal por evitar uma situação pior e que não pode ser eliminada. A questão está então em aferir se o aborto clandestino pode e deve ou não ser eliminado sem ser legalizado o aborto em si mesmo. Uns respondem Sim, outros respondem Não.
Quanto à segunda afirmação, não é tão linear assim. Devemos considerar crime algo que, no geral, é um mau princípio e prejudica a sociedade, o que não implica necessariamente que todas as pessoas que roubem sejam à luz da lei punidas por isso. No entanto, o facto de ser crime faz com que o incitamento ao roubo e o roubo por ganância sejam punidos, porque o roubo em si mesmo é errado, deve ser combatido e extinto da sociedade. Por exemplo, se uma mãe é apanhada a roubar pão para alimentar um filho, não cumpre pena, devido às atenuantes, que dependem de caso para caso. Logicamente, apesar de essa mãe não cumprir pena, uma outra que roube um carro para assaltar um banco para enriquecer, cumpre (e muito bem) pena de prisão. Não é por acaso que as mulheres portuguesas que realizam um aborto até às 10 semanas, actualmente, não são presas nem cumprem um minuto de prisão. Não é por caridade dos juízes. É precisamente pelo facto de a lei considerar estes casos, e não os punir. Não é por não ser cumprida. A lei actualmente é cumprida, e inclui (e muito bem) penas pesadas para parteiras e médicos que façam uso do sofrimento destas pessoas para enriquecer, e para todos aqueles que incitem ao aborto, principalmente quando efectuado com vários meses de gravidez.
Despenalizar é, portanto, considerar correcto o aborto, no sentido que deva ser feito. Se a lei actual se fizer cumprir, nenhuma mulher é presa por fazer um aborto, porque não é um crime punível por lei. Tudo o que é legal e não tem pena deve ser correcto em si mesmo e incentivado pela sociedade.

Já terão ouvido que este Sim servirá para que quem faz um aborto não tenha que se esconder na clandestinidade. Obviamente que é, mas esse esconder tem mais a ver com a vergonha e o drama que sentem as mulheres que fazem abortos do que com o facto de ser ou não legal. Em Portugal, segundo o Ministério da Saúde, o aborto será gratuito em algumas circunstâncias, mas todas as mulheres que o queiram fazer em situação de confidencialidade e anonimato terão que recorrer a clínicas privadas, às suas custas, o que representa um mínimo de 300 euros. Só se vai pensar nisto depois do dia 11. Está-se a jogar com o drama das pessoas, a vender-se-lhes um direito. A chamada escolha pode ser entendida com um sacudir de responsabilidade do Estado para cada um dos cidadãos, fazendo com que seja cada mulher a resolver uma questão que é dos homens também, mas que acima de tudo resulta da falha de um dever que a sociedade tem: o de combater os problemas de raíz. Muitas pessoas que conhecemos poderiam ter ajudado os filhos a ter filhos, sem terem que alterar drasticamente o seu percurso ou hipotecar a sua evolução de vida. Não o fizeram por não terem sabido que os filhos realizaram abortos. Pode dizer-se que esse desconhecimento se terá devido ao facto de o aborto ser considerado crime. Eu creio que o motivo não foi o facto de ser crime (que independentemente do resultado do referendo continuará a ser, punindo exclusivamente parteiras e médicos, pois a proposta de lei não descriminaliza nada), foi antes o facto ser algo que mexe com o mais íntimo e pessoal de cada um, que não se quer dar a conhecer, mesmo que seja legal. Legalizar não torna as coisas fáceis de lidar para as pessoas. Nenhum aborto é feito de ânimo leve, é algo que deixa marcas físicas, sequelas emocionais e psicológicas, e até danos sociais.

Assusta-me muito que uma filha minha, ou sua, venha a crescer num país e num mundo em que o aborto é considerado uma das primeiras alternativas, que seja visto como um caminho para integrar as pessoas no planeamento familiar, em vez de esta ser encarada como uma prioridade muito antes de acontecer uma gravidez. Além disso, existem alternativas a esta lei que alguns defendem. Não se trata da única hipótese.

Assusta-me muito que se valide qualquer motivo para além dos consagrados actualmente na lei (que podem ir até às 24 semanas) para realizar um aborto. Não ter dinheiro para criar um filho deverá ser motivo para aprovar uma lei que permita o aborto, ou razão para ajudar essas pessoas a eliminar esse motivo? Não desejar ter um filho naquela específica altura da vida deve ser um motivo para sugerir um aborto ou uma ponto de reflexão para evitar que volte a suceder o mesmo com outras pessoas? Eu não defendo um país que ofereça soluções práticas sem se preocupar com as pessoas.

Aquilo que no essencial distingue os dois votos não é senão a crença que a liberalização faça ou não parte da solução. Eu acredito que é possível e preferível apostar na solução mais difícil, a de apoiar as pessoas, de dar um sinal positivo de preocupação e assumir com clareza que a sociedade não pode nem deve ser destituída dos seus deveres para com todos nós, e as gerações futuras.

Creio que o Sim implica, não obstante resolver algumas questões no imediato, um custo muito sério, que é o aumento do número de abortos nas próximas décadas; Portugal não será excepção à regra. Creio que o Não engloba uma profunda mensagem política, civilizacional e cultural, um sinal claro de que nos preocupamos mesmo com aqueles que não conhecemos, mas que de nós precisam, de uma forma muito nobre. Estender a mão para votar Não é estender a mão a quem precisa, é não os abandonar até que tenham problemas e é não pensar neles apenas nessa altura. Nas próximas décadas, o número de abortos pode diminuir, sem que seja liberalizado e sem que se comprometa este processo difícil que envolve quem todos os dias trabalha no terreno por esta causa. Votar Não é difícil, mas reflecte o que de melhor há em cada um de nós, essa consciência profunda que um mundo melhor pode ser construído sem ceder à tentação prática e imediata.

Acreditar pelos melhores motivos ou desacreditar pelos melhores motivos?

19/01/2007

Será verdade? "Os gajos do Não falam, falam e não fazem nada..."

Em 1998, quando foi convocado o primeiro referendo sobre esta matéria, não se deixou que surgisse a liberalização do aborto. Os movimentos partidários que se batem pelo Sim e outras entidades que com eles se alinham não cruzaram os braços e conseguiram que 8 anos depois se discuta precisamente a mesma proposta. Acusam-se os outros de não fazer nada pelas mulheres em condições difíceis e apenas fazer uso de demagogia.
As pessoas que hoje novamente defendem o Não não o fazem por moralismo; não baixaram os braços numa tarefa mais árdua do que disparar em todos os sentidos, mentir para conquistar votos, ou esperar que uma lei resolva tudo. A verdade é que a grande consequência do referendo de 1998 não foi a possiblidade de fazer outro em 2007, foi sim a enormíssima estrutura de apoio a:
  • mulheres grávidas que querem ter um filho e não têm condições;
  • mulheres grávidas que sofrem pressão familiar, social ou laboral para abortar;
  • mulheres grávidas que desejam abortar e não sabem onde se dirigir.
Os media não falam deles tanto quanto divulgam campanhas, quem se dedica a esta causa não vive debaixo dos holofotes que nesta altura focam os reais demagogos, mas eles existem e é preciso que se saiba. Ajudam todas as mulheres com gravidezes inesperadas, quer pretendam ter o filho ou abortar:

  • «Ponto de Apoio à Vida»:
    Uma associação para ajudar as mulheres que pensam abortar (fund.1998)

  • Associação Vida Norte:
    Desd
    e a sua constituição, em 1998, a Associação tem promovido diversas iniciativas de apoio a mulheres e jovens adolescentes, muito em especial, àquelas que se encontram numa situação normalmente denominada de gravidez de risco ou gravidez não desejada.

    Actua com dois tipos essenciais de apoio:
    - apoio imediato, que consiste essencialmente na disponibilização rápida de ajudas nos diversos aspectos necessários no curto prazo: apoio psicológico, médico (essencialmente ginecológico), jurídico, laboral, etc;
    - apoio preventivo, que consiste no desenvolvimento de um conjunto diverso e integrado de a
    cções de formação dirigidas às famílias, a grupos de adolescentes, às associações de Pais (nas escolas), aos professores, aos grupos com dificuldades de inserção social e profissional, etc. As áreas especialmente focadas nestas acções de formação são a educação, as relações educadores/educandos e a sexualidade.

  • VINHA DE RAQUEL

    A Síndroma Pós-Aborto afecta uma percentagem elevada das mulheres que a ele se sujeitam. Os seus efeitos são devastadores: depressão, tentativas de suicídio, ansiedade, pânico, pesadelos etc. O “Projecto Raquel” acompanha individualmente mulheres afectadas por essa síndroma. Tem uma equipe de psicólogos e psiquiatras que realizam essa tarefa.

  • SURPREENDA-SE COM UMA ESTRUTURA com 25 (vinte e cinco) importantes casos de sucesso, muitos criados em 1998, que incluem os seguintes cuidados:

    • casas de acolhimento para mulheres grávidas em necessidade económica ou social;
    • serviços para jovens e adolescentes (grávidas ou não) com necessidades de informação;
    • apoio a crianças e mães vítimas de maus tratos, ou pressões para realizar abortos;
    • cuidados gratuitos de obstetrícia, ginecologia, pediatria e aconselhamento psíquico e jurídico;
    • apoio médico e humano à solidão, ao desespero e ao abandono;
    • centros especializados para simplesmente ouvir as mulheres;
    • ajuda na gravidez, sexualidade, planeamento familiar e cuidados materno-infantis;
    • apoio à reinserção social e profissional das mulheres grávidas e puérperas.
Muitas mais existem, TODOS OS DIAS a trabalhar nesta causa, estou à inteira disposição para vos dar a conhecer outras. Se tivessemos já uma lei como a que o Sim significa, estas mulheres nunca teriam passado pelas mãos de quem realmente se preocupa com elas e as ajuda na busca de soluções verdadeiras. Teriam ido directas para clínicas privadas, realizar um aborto, nas mãos de quem seguramente as olha como mais uma desgraçada... Um Não dia 11 é mesmo muito importante.

Aborto: primeira ou última alternativa?


O aborto pode ser encarado como primeira alternativa a uma gravidez indesejada, e aí deve ser liberalizado, ou seja, deve ser um acto livre da mulher, ignorando por completo a opinião do pai da criança que não irá nascer ou dos pais da mulher grávida, mesmo quando é menor, precisando apenas de se dirigir a uma clínica privada. O aborto pode também ser encarado como última alternativa a uma gravidez indesejada, combatida de raíz na sociedade através da liberalização da contracepção e de uma forte aposta na educação sexual, no planeamento familiar e na luta contra a precariedade. São dois caminhos distintos, um deles bem mais simples do que o outro. Um condizente com a nossa História (somos pioneiros na extinção da pena de morte e na abolição da escravatura), outro condizente com uma Europa que facilita o aborto e aceita que as suas taxas aumentem desmesuradamente cada ano. “Sim” no referendo é substituir o negócio clandestino por um negócio legal, enquanto que "Não" é apostar na extinção do clandestino, não cruzando os braços. Há várias formas correctas e simples de alterar a lei sem liberalizar o aborto (www.protegersemjulgar.com). Votar Sim é apostar no aborto como método contraceptivo mais barato do que as pílulas ou os preservativos. Não se vai fazer nenhum referendo para tornar os métodos contraceptivos gratuitos. Faz-se um referendo para tornar o aborto livre.

Votar Não é acreditar que não somos geneticamente incapazes de mudar as coisas nem culturalmente facilitistas. É importante salientar que nenhuma mulher é presa em Portugal por efectuar um aborto até às 10 semanas, nem sequer é julgada por isso, e que há pessoas que diariamente trabalham com mulheres de baixas condições socio-económicas e com jovens grávidas para lhes oferecer uma alternativa, e só assim assume significado a palavra escolha
. Não há escolha sem alternativa.

A larga maioria (eu diria todas) as mulheres acabam por ser mais apoiadas pelos companheiros e por optar por uma solução diferente do aborto. Mas mesmo que não o façam, abortam sabendo que opções teriam se não o fizessem, e são acompanhadas depois, quando surgem os traumas. Sabe-se bem que há casos em que leva ao suicídio pelo sentimento de culpa e arrependimento, por terem sido pressionadas a abortar. O factor psíquico assume particular relevância. Com uma lei permissiva, é mais fácil um patrão mandar uma funcionária abortar para não perder o emprego, ou a família exercer pressão numa mulher carente para que não tenha um filho que deseja. Terá acontecido (vamos dizer assim...) recentemente com a TAP, é do domínio público: uma mulher foi fazer um aborto porque na entrevista de emprego assim lhe “aconselharam”. Esses casos multiplicar-se-ão, obviamente.


Um aspecto final: a forte politiz
ação do debate que se verifica nos media e na sociedade. Permitam-me dizer que não há nada como pensar por nós mesmos (www.sobreoaborto.info) e questionar todos os estudos e dados estatísticos que ouvimos da classe política e dos movimentos pró e contra; é uma questão bem mais séria do que isso e, mais ainda, objectiva (clique aqui).

Estamos habituados a medidas a retalho, mas o mundo não muda à velocidade dos decretos de lei, mas sim à velocidade da vontade humana. Lê-se em manifestos dos movimentos do sim (veja-se o exemplo gritante dos Jovens (!) pelo Sim) que o aborto deve constituir uma forma de integrar as mulheres no planeamento familiar. Ora, a nossa obrigação começa bem antes disso, e não nos cabe apenas evitar um 2º aborto, mas sim combater as suas causas desde muito cedo na vida das pessoas. Termino citando Jacinto Lucas Pires:

Já se sabe que a questão do aborto é "complexa", "transversal" e que as habituais cartilhas políticas não bastam para indicar respostas. Ainda assim, devo dizer que estranho muito não haver, à esquerda, mais defensores do "não" no referendo. De facto, e tirando talvez alguns dos chamados católicos progressistas, não se vê ninguém. Estranho-o porque, se há ainda algo capaz de distinguir a esquerda da direita, isso devia ser a vontade de uma real transformação da sociedade e do mundo - contra os realismos-pessimismos que, no fundamental, se satisfazem com o estado de coisas vigente. Ora, tal implica, antes de mais, não capitular perante a "tragédia do facto consumado". Por outro lado, é óbvio que esse "sonho concreto" da esquerda tem de assentar em princípios básicos de humanidade e justiça - e estes não podem deixar de começar pela protecção da vida humana.

texto publicado e também disponível: no anti-aborto, no direitoaviver, no liberal-social, e no cienciahoje. Disponível ainda em pdf pelo movimento minho com vida.

Sondagens e falta de informação


Muito se tem dito e escrito sobre as sondagens até agora realizadas e os estudos e relatórios que estimam o número de abortos realizados em Espanha, e a sua evolução com a despenalização. Os números são estes, sem mais comentários:



A liberalização e o aumento dos abortos
  • Abortos legais em Espanha em 1995 (incluindo os abortos realizados fora de Espanha), depois da revisão da lei de aborto, que permite alegar “saúde mental” da mulher: 49.367
  • Abortos legais em Espanha em 2004: 84.985 (aumento de 72%)
  • Abortos legais em Espanha em 2005: 91.664
  • Números não oficiais de 2006 apontam para mais de 100.000.
É lugar comum argumentar-se que em Espanha o número de abortos aumentou todos os anos desde que foi despenalizado por causa das portuguesas que lá vão abortar, devido às restrições da lei portuguesa.
Ora, isso implicaria que 51000 mulheres portuguesas (a diferença entre os valores de 2006 e os de 1995) tivessem realizado um aborto em Espanha, ou seja, teriam sido mais que as próprias mulheres espanholas. Obviamente, é uma mentira, mas facilmente desmontável. Mesmo assim, pode "pegar" se não estivermos devidamente informados.

A sondagem TVI/PÚBLICO/RCP feita pela Intercampus, divulgada recentemente, permite conclusões interessantes. A mais surpreendente é que ao mesmo tempo que prevê uma vitória do Sim no referendo, indica que as pessoas estão satisfeitas com a lei actual. Quando se pergunta às pessoas que pensam votar Sim as razões que, especificamente, devem poder na sua opinião justificar legalmente um aborto, a resposta coincide maioritariamente com as razões já hoje previstas na lei.
A maioria (quase 60%) tem dúvidas relativamente à legalização do aborto em casos de falta de meios da mãe para sustentar a criança, preferindo condenar que a sociedade force a mãe a abortar por insuficiência de meios económicos em vez de lhos fornecer para que tenha o filho, quando esse é o motivo do aborto. Exige, portanto, o o fim dos abortos impulsionados pela falta de meios económicos.
Conclui-se que se entende que uma sociedade digna e preocupada com os seus indivíduos não deve nem pode permitir que uma única mãe aborte por falta de meios económicos. Há um consenso na preferência pelo apoio à maternidade em detrimento do acto de facilitar um aborto.

Outro ponto relevante é que os portugueses não querem o aborto livre ou a pedido (44%), apenas "porque sim", sem qualquer tipo de ponderação de interesses, e mostram desconhecer que o voto no Sim assim o permite. As pessoas menos informadas tendem a votar Sim, o que não deixa de ser curioso. São, contudo, as pessoas com maior grau académico, as menos informadas.

Rejeitar o aborto livre até às dez semanas e votar Sim poderá parecer um paradoxo. O responsável pela Intercampus declarou em entrevista à rádio que considera que as pessoas não estão devidamente informadas sobre o que está verdadeiramente em causa, podendo ler-se no Público que "existe muita confusão sobre o que está em causa". A pergunta é enganadora e o debate não está a ser claro nem esclarecedor. A campanha do SIM tem conseguido associar o voto Sim a três aspectos fundamentais:
  • a extinção do aborto clandestino em Portugal: uma vez que o Ministério da Saúde apenas garante confidencialidade a quem o realizar em clínicas privadas, com o custo mínimo de 300 euros, continuará, como acontece nos países que possuem aborto despenalizado, a fazer-se abortos mais baratos clandestinamente;
  • o fim da perseguição e humilhação das mulheres que realizam um aborto, mesmo sabendo que a lei não muda para nenhum dos casos julgados até hoje em Portugal, em que se tratou de abortos realizados além das 10 semanas de gravidez;
  • o acto de despenalizar sem liberalizar, ficando as pessoas no desconhecimento que será livre, por "opção da mulher", até às 10 semanas, como indica a própria pergunta do referendo.
Portanto, está de facto instalada a confusão na opinião pública, e mostra-se que as pessoas, ingenuamente, têm absorvido estes argumentos sem reflectir apesar de, depois de ser explicadas as implicações de cada voto com objectividade, se manifestarem quase invariavelmente de acordo com um Não no referendo. É a luta pela informação que é preciso travar com seriedade.

Esclarecidas verdadeiramente as pessoas de que o voto no Sim permite o aborto livre, ou seja, sem apresentação de motivo até às dez semanas, elas não votam Sim, votam antes Não. Além disto, quase todas as pessoas pensam que o aborto será gratuito, nos hospitais públicos, após consulta médica. Desconhecem o aborto anónimo será em clínicas privadas, sem consulta prévia noutro local, sem apoio financeiro, psicológico ou de qualquer outro nível, suportando todos os custos. Há um forte trabalho por fazer: esclarecer as pessoas do que está verdadeiramente em causa e ajudá-las a não serem enganadas. Decidam o que decidirem, que o façam com base na verdade, tendo noção e consciência do que está em causa. Deveria ser esse o intuito fundamental dos dois lados radicais da campanha.

NOTA POSTERIOR: Sondagem SIC EXPRESSO dá vitória do Sim por uma margem de apenas 5%.

Pedro Daniel Almeida

O aborto, o infanticídio e a psicologia

Um excelente trabalho de licenciatura da psicóloga Mara Célia Alves Matos sobre o aborto, onde este é abordado de forma inteligente, séria e esclarecedora. Nove curtas páginas de profunda reflexão.

Reflectir sobre um tema como a interrupção da gravidez (aborto) é meditar/pensar sobre um tema tão polémica, quanto necessário. Reflectir criticamente é muito mais do que isso e transborda o círculo restrito do pensar comum – é questionar, julgar (com espírito crítico) as diversas situações em causa (...) Recorde-se, por outro lado que legalizar significa, grosseiramente, dizer que aquilo que se legaliza é “bom” para a sociedade, ou pelo menos, não é mau de todo.
Há uma multidão imensa de pessoas, protegidas por uma superficialidade medonha, incapazes de tomar uma posição, senão perante a necessidade de decidir sobre tão difícil questão.

18/01/2007

Aborto: uma primeira abordagem

Dois médicos do Chile, um país em vias de desenvolvimento, proporcionam-nos um livro completamente diferente dos proclamados em campanha, atravessando o problema do aborto desde as suas causas às suas consequências. Somos guiados pela vasta experiência pessoal de pessoas que dedicam a vida a esta questão, desde os tempos de estudantes de medicina, com testemunhos reais e uma honesta procura de soluções e consensos. A melhor primeira abordagem que conheço a este tema, por José Barzelatto e Aníbal Faúndes: O drama do aborto: em busca de um consenso.

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Qualquer ensejo em ouvir o outro é interpretado negativamente como um sinal de enfraquecimento da convicção, e uma maneira de fortalecer os argumentos do inimigo. Esta controvérsia é tão tempestuosa e as emoções suscitadas tão fortes, que se torna muito difícil evitar a polarização da opinião pública. Nós sustentamos que este é um falso dilema e que a maioria das pessoas no mundo não são indiferentes ao sofrimento de milhões de mulheres, que são confrontadas todos os anos com a decisão de abortar. Essa mesma maioria também não é indiferente ao destino do feto, e vê o aborto como uma perda que deveria ser evitada.

A ideia de que as pessoas estão divididas entre aquelas que são a favor e as que são contra o aborto é simplesmente incorrecta. (...) Quando um diálogo civilizado e racional se tornar possível, todos, incluíndo os menos radicais dos dois extremos, concordarão em promover e implementar as mudanças sociais capazes de reduzir a incidência e as consequências do aborto provocado. Acreditamos que esta tarefa seja difícil mas não impossível.
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Neste blogue NÃO pretendo...

  • discutir quando começam ou acabam os direitos do feto;
  • defender posições religiosas ou políticas;
  • defender códigos éticos ou deontológicos (não os tenho);
  • atacar especificamente outras posições ou pessoas.