22/01/2007

A verdade sobre o referendo, sem complexos

No dia 11 somos todos chamados a dizer Sim ou Não a uma lei. Vejo poucos interessados em conhecer a actual e a que é proposta, mas isso é o que vamos votar, e não outra coisa. Vejamos então. Em Portugal, temos actualmente uma lei que permite o aborto, gratuito e em hospitais públicos, até às:

12 semanas: risco de vida ou de saúde física, mental ou psíquica da mulher;
16 semanas: violação ou outro crime sexual;
24 semanas: risco de malformação do feto.

É precisamente igual à lei que vigora em Espanha. Sem diferença absolutamente nenhuma. Então como é que o aborto é legal lá e não é aqui? A cláusula até às 12 semanas em ambos os países é a seguinte, transcrevendo na íntegra:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;

Começo por esclarecer um ponto importante: o aborto é um crime e assim continuará após o resultado do referendo de 11 de Fevereiro, independentemente desse resultado. Depois, a alínea acima transcrita é de "claúsula aberta", servindo perfeitamente em Espanha para abranger os casos críticos em que a gravidez não deve seguir, incluindo quando provoca alterações sérias ao curso de vida futuro da mulher. Inclui abortos por a mulher ser muito nova ou ter problemas sociais, económicos ou familiares sérios. Obviamente, considera-se que nesses casos o aborto constitui o único meio de "remover o perigo de lesão para a saúde psíquica da mulher grávida". A diferença é que em Portugal não é aplicada devidamente, por uma questão de hábito. Se se fizer aplicar, resolve completamente o problema. É uma alternativa à proposta do referendo, e é defendida por pessoas como Diogo Freitas do Amaral ou Marcelo Rebelo de Sousa. Não somos tontos insensíveis, ao ponto de querer prender as pessoas por fazer abortos ou condená-los por loucura. Essa alternativa não é uma mentira, e é por isso que devemos votar Não.

O que a alteração à lei proposta em referendo permite é, e por isso se usa essa expressão, o que se designa por liberalização total do aborto, desde que efectuado até às primeiras dez semanas de gestação. Isto porque além de abranger os casos acima falados, onde se procura o envolvimento do companheiro ou, caso a grávida seja menor, dos seus pais, esta lei do Sim permite pelo contrário a realização de um aborto sem qualquer motivo. Isto é muito sério e muito grave! Admite-se legalmente que uma mulher faça um aborto sem dar conhecimento ao cônjuge ou, caso seja menor, aos pais, e sem ter qualquer motivo para além da vontade. É disto que se trata.

As mulheres espanholas serão mais "oprimidas" do que as mulheres portuguesas nesta matéria? Não consta que haja problema em Espanha neste sentido. Pelo contrário, as prioridades do SNS passam por coisas bem diferentes do que o aborto, nomeadamente por criar as condições para que as normas que registei acima sejam aplicadas, sem complexos, sempre que seja necessário. Não é preciso mais nada. Defender este "sim" que vai a referendo, neste claríssimo contexto legal, é a mera afirmação política de um "sim porque sim". Não é por acaso que há uma mobilização política fortíssima em torno deste referendo... Não há boas pessoas dum lado e más pessoas do outro.


Em suma, na prática a lei proposta no referendo pretende acrescentar uma quarta alínea à lei, que permita o aborto gratuito mas sem confidencialidade nos hospitais públicos, ou pago inteiramente pela mulher numa clínica privada confidencialmente, até às:

10 semanas: porque sim, "por opção da mulher" sem ter que apresentar qualquer motivo.

Este Sim em concreto abre margem a que se possa...
  • dizer a uma mulher sem condições económicas para criar um filho que a ÚNICA solução que a sociedade lhe dá é a realização de um aborto;
  • dizer a uma mulher sem vontade de ter um filho naquela altura da vida que a ÚNICA solução é pagar um aborto confidencial, à margem de uma sociedade indiferente, sem apoio de ninguém, a nenhum nível;
  • dizer ainda a todas as mulheres que não precisam de nenhuma razão para fazer um aborto, sozinhas e abandonadas.
Podemos tentar florear a questão com questões éticas, morais, de discriminação ou outras, mas não se trata doutra coisa senão disto: da forma que encontramos para que a sociedade e o país ajude quem precisa. Actualmente, faça-se cumprir a lei existente, que é a mesmíssima lei, à vírgula, que há em Espanha, e temos o problema dos defensores do Sim resolvido, sem liberalizar. Não é preciso liberalizar para despenalizar. Basta pensar: se a lei actual não é cumprida, será uma lei mais ampla cumprida? Vamos refrear os ímpetos e os ânimos e pensar individualmente. Escolha-se o caminho...

Indispensável a leitura da carta de Maria Clara Assunção, no blogue de Cláudio Anaia (dirigente do PS).



1 comentário:

pedro almeida disse...

A grande mentira deste referendo é: o Sim no referendo despenaliza o aborto.

Sou a favor da despenalização do aborto, quando efectuado às 2, às 4, às 6, às 8, às 10, às 20, em qualquer semana em que seja clinicamente possível fazê-lo. Nenhuma mulher deve ser presa por realizar um aborto, isso é ponto assente para mim.
Esta alteração proposta em referendo penaliza TODAS as mulheres que realizam um aborto às 10 semanas e um dia, às 12 semanas, às 14, e por aí adiante...
Violação ou coacção física na gravidez, malformação grave e problemas do feto, ou risco de vida ou de saúde física para a mulher: está na lei actualmente. Então o que acrescenta a nova lei proposta? Acrescenta que se possa fazer um aborto, por opção única e exclusiva da mulher, sem se deparar com um médico, um psicólogo, nada nem ninguém. Se é menor, não tem que dizer aos pais, se é casada, não tem que dizer ao marido, se é coagida pelo patrão para não ser despedida também não tem que dizer a ninguém e age em coação, "dentro da lei". Além disso, sem apresentar um motivo. Nada. Zero. Faz um aborto, sozinha, em segredo, pagando numa clínica privada, dentro da lei. Dentro da lei isto não pode ser possível...

Concorda com a despenalização do aborto, em qualquer momento possível clinicamente de ser realizado, após apoio e acompanhamento, gratuitamente, num local autorizado?

SIM.

Concorda com a despenalização do aborto, ponto final?

Sim.

Concorda com a despenalização do aborto, por opção da mulher?

Sim, desde que sempre que é possível (exceptuando casos de violação) o pai da "criança" seja acompanhado, e que, quando a grávida é menor de 16 anos, os pais ou outros encarregados da sua educação sejam informados devidamente.

Concorda com a despenalização do aborto pelos motivos já consagrados na lei, sem limitação de semanas?

Sim, sempre, sem dúvida.

A lei portuguesa é literalmente a mesmíssima lei que vigora em Espanha. Considera exactamente os mesmos casos, sem tirar nem pôr. Então como é que lá se fazem abortos por mais motivos do que cá? Simples, a lei actual não é aplicada.
Se sempre que uma lei actual não seja cumprida, pela estúpida questão de hábito, a ampliarmos e alargarmos, será mais fácil cumprir essa nova lei mais abrangente? Só se for no privado, aos custos da mulher grávida.

Como é que se acaba com o aborto clandestino? Cumprindo a lei portuguesa, que é a lei espanhola.

Como é que se termina com TODOS os julgamentos?
Cumprindo a lei actual, cuja cláusula (a), transcrevo:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida ;

...é a chamada cláusula aberta, que permite que Espanha o aborto seja legal em casos de problemas económicos, sociais, laborais, familiares, por a grávida ser nova, por séria implicações na evolução de vida dos pais da criança, etc...

Todos estes motivos podem ser considerados válidos, APLIQUE-SE A LEI. O resto, sabes bem disso, é o tão falado aborto livre, a pedido, liberalizado, o que se quiser chamar-lhe.

Sem motivo não. Cumpra-se a lei.

Um grande abraço

P.

P.S: Andamos mesmo a ser enganados. Por favor não deixem que as pessoas sejam enganadas.