12/02/2007

O dia seguinte

Encerra aqui o blogue, conhecidos os resultados do referendo. Houve mais votos Sim do que votos Não. A maioria dos eleitores não manifestou a sua opinião. O objectivo deste sítio foi cumprido: informar, debater, reflectir, discutir e decidir. Agradeço a todos os que por aqui passaram, fico muito feliz por ter conhecido pessoas muito interessantes e envio a todos um forte abraço.

O blogue continua disponível por algum tempo, mas sem alterações.

09/02/2007

Aborto e o machismo (ou "A barriga é minha, eu decido")

É dito a todos aqueles que se incomodam com a questão do aborto se tornar, em caso de vitória do Sim, numa opção exclusiva e solitária da mulher, algo como “A barriga é minha, eu decido, não és tu que vais parir”. Se se insiste um pouco mesmo em argumentação serena, surge um “Os homens nem deveriam votar”, por vezes acompanhado de um “muito menos os que pensam como tu”. Transmite-se uma ideia de egoísmo inerente ao Não, alicerçada no machismo mais puro do homem que ouse incomodar-se com esta questão, oferecendo-se machismo como sinónimo de Não no referendo.
Numa sociedade machista dir-se-á que a mulher deve acordar de noite quando o filho chora, deve levá-lo ao médico quando este está doente, mudar-lhe a fralda, dar-lhe as refeições, ir levar os filhos à escola de manhã, buscá-los ao fim do dia, comprar-lhes a roupa que precisam e tratar das festas de aniversário. Dir-se-á que não são tarefas de um pai. Dir-se-á que são obrigações de mãe zelosa.

Na nossa sociedade diz-se isto e acrescenta-se: a barriga é da mulher portanto a responsabilidade da gravidez é dela. Que tivesse ela tomado a pílula e tido cuidado, que tivesse ela guardado um preservativo na carteira, que decida ela se quer ou não ter o filho (como se se tratasse de um verdadeiro e simples “quero” ou “não quero”), e que trate de o carregar nove meses ou de ir onde tiver que ir para abortar. Diz-se que o pai não tem voto... na matéria.

A fasquia do machismo sobe ainda mais quando remetemos a pergunta de um referendo para algo que engloba “por opção da mulher”. Quando o parceiro é um indivíduo digno e preocupado, de nada lhe serve, porque a lei que o Sim pretende é clara em ignorá-lo. Quando o parceiro é um indivíduo indigno e despreocupado com a companheira, nem tem que chegar a saber que esta realizou um aborto, pode seguir a sua vida para outras paragens.
Lutou-se muito em Portugal para terminar com a figura do pai incógnito, mesmo quando se dizia que tal não seria possível, dada a impossibilidade de obrigar um homem a assumir um filho que não deseja. Hoje a realidade é clara, e mesmo que o pai não queira, é obrigado a realizar testes de paternidade e a assumir uma criança quando estes mostram é sua filha. Foi um passo gigantesco pela justiça e humanismo no nosso país. Este Sim no referendo pode significar um passo ainda mais gigantesco para a cultura do machismo e da desresponsabilização do homem perante os seus filhos e a sua companheira. Fica a mulher sozinha na sua dolorosa “opção”, sendo-lhe oferecido o aborto como primeira alternativa. Logicamente, incentiva-se que interrompa a gravidez, sozinha e o menos apoiada possível.
Não se trata então da falsa questão de o homem não pode obrigar a mulher a ter um filho que não deseja, imagine-se o trauma que seria ou do não se vai amarrar a mulher a uma cama 9 meses só porque o homem quer ser pai. Ninguém defende isso, apesar de ser um argumento fácil de apelo ao Sim dizer que o Não está a defender isso.
Trata-se de dividir a responsabilidade de uma gravidez não desejada pelos dois, em vez de a deixar inteiramente nos ombros e na barriga da mulher. Permitir que a mulher realize um aborto sem informar o pai é descartar o papel deste na concepção da criança, privá-lo de um direito básico de informação, isolar mais ainda a mulher na dor da decisão solitária, num país que lhe facilita um aborto como solução aos problemas.

Nenhuma mulher desejaria não saber se o homem pudesse engravidar e realizar um aborto sem lho comunicar. Quando a mulher opta por ter o filho, o pai da criança é obrigado (e muito bem) a assumir a paternidade. Quando opta por abortar o homem não é obrigado a assumir as suas responsabilidades, não é integrado no planeamento familiar e permanece na sua ignorância. Resulta isto numa sociedade em que a mulher resolve o problema dos homens que livremente engravidam mulheres. Um adolescente pode engravidar uma namorada aos 14 anos, outra aos 16 e outra aos 21, lavando as suas mãos, deixando-a desamparada e sozinha no caminho para a clínica de abortos legais.
Afinal de que lado está o machismo? Sempre que se ouvir Não ao aborto a pedido da mulher, por opção exclusiva desta, é disto que se está a falar, e é isto, e não outra coisa, que se defende. Está-se a falar precisamente da luta contra o machismo.
Como homem, não tenho apenas receio de não ser ouvido, tenho medo que abortos sejam feitos por não termos que ser ouvidos, por não termos a oportunidade de pensar no assunto, por sermos desresponsabilizados, por se cultivar a nossa ausência no papel de apoiar a mulher, de não a deixar sozinha.

É comum ouvir-se do Sim: Isso é tudo muito bonito, mas muitos homens não querem saber disso para nada nem apoiam as mulheres mesmo que saibam. Nesse caso, além desses que hoje ignoram o problema, não é desejável uma lei segundo a qual todos os outros ficarão alheios ao problema, sendo-lhes apenas atribuida responsabilidade pelos filhos após o momento em que nascem. Mãe desde que engravida, pai nove meses depois.
Todos os que desejam uma solução fácil e descomprometida para mim e para todos os homens devem votar Sim. Todos os que desejam assumir que este é um problema da sociedade, de homens e mulheres, e apostar na educação dos homens também, para prevenir gravidezes indesejadas e, por consequência, abortos, devem votar Não.

Felizmente, os homens querem votar e estão empenhados; queremos que nos exijam responsabilidade pelo que fazemos.

SIM = ABORTO SEM ACONSELHAMENTO

Não acredita? Então oiça:
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A lei discrimina, mas... qual delas?

« Acredito que a liberalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas não vai ter esse efeito miraculoso que alguns pensam. O mais provável é continuarmos a ter uma classe menos favorecida a recorrer ao aborto clandestino, por não ter possibilidades para aceder a clínicas privadas...(Leia o resto aqui).»
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08/02/2007

Acompanhar a Europa?

"Vamos votar Sim para mudar esta lei e acompanhar o rumo europeu. Quase todos os países liberalizaram, menos nós.", ouvi mil vezes esta semana. Vejo num panfleto do PS que tenho aqui comigo um mapa com 44 países assinalados, dizendo que em TODOS existe aborto livre. Fui confirmar, pessoalmente, um a um, a legislação (que em muitos casos não coincide com a indicada no panfleto), e concluí o que já tinha lido aqui, ou seja, existem 22 (!!) países actualmente no mundo com aborto a pedido. Existem, isso sim, e isso o Não também defende, a despenalização sem liberalização em largas dezenas de países.

Por que mentem?

A verdade factual é que, em todo o mundo, o aborto sem invocar qualquer razão é permitido em 22 de um total de 193 países.

Fala-se da Polónia estar atrasada como nós, com lei restritiva. A verdade é que a Polónia já liberalizou o aborto, mas tal como a Rússia e o Reino Unido, volta atrás na lei, porque o aborto clandestino manteve-se e o número de abortos subiu incontrolavelmente. Em 2006, nasceram menos crianças na Rússia (1º país do mundo a liberalizar) do que o número de abortos. Foram mais os abortos que os nascimentos. Em França realiza-se um aborto por cada 2 minutos que passa. Não basta dizer metade, digamÉ assim que resolvem o elevado número de abortos clandestinos? Criando um número 10 vezes maior de abortos legais? tudo.

E resolver mesmo o problema? Não?

Se o vídeo não funcionar, clique aqui:
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Pérolas da campanha e não só (actualizado regularmente)

  • A legalização do aborto livre - diferente de justificação ou desculpabilização de casos concretos - é passagem de uma fronteira decisiva, representando um retrocesso civilizacional que permite - como outrora na lei da selva - o domínio dos fortes sobre os fracos, dos que já estão na vida sobre os que vêm depois. Essa não é a sociedade humana que sempre idealizei.
    (António Sousa Franco, a propósito do referendo de 1998)

  • O aborto clandestino existe - é urgente mudar a lei.
    (Comité central do PCP)

  • Um “não” dito com convicção é melhor e mais importante que um “sim” dito meramente para agradar, ou, pior ainda, para evitar complicações.
    (Gandhi)

  • A maternidade e a paternidade são projectos de transcendente importância afectiva e social para as mulheres e para os homens. Por isso, só podem ser projectos totalmente queridos. Uma gravidez indesejada não é um projecto, é uma pena.
    (José Manuel Pureza, Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim)


  • Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida!”
    (Victor Hugo, 1876)


  • Todas as mulheres têm direito à interrupção voluntária de gravidez, ou seja, à contracepção.
    (Arlette Laguiller - uma das principais defensoras internacionais da liberalização do aborto)

  • Um ovo não é igual a um pinto, um ovo não tem os mesmos direitos do que um frango.
    (José Pinto Ribeiro – presidente do Fórum Justiça e Liberdade numa sessão do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim)

  • O «Sim» é à partida um campo em «perda», com – digamos – um défice: precisa de pensar, argumentar, explicar, convencer, distrinçar, contextualizar. Em suma, vê-se obrigado a um trabalho extra de inteligência e racionalidade.
    (Miguel Vale de Almeida, antropólogo e mandatário do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo SIM)

  • Os defensores da actual Lei (...), incapazes de admitir preto no branco que defendem a prisão das mulheres, que se resignaram e não se incomodam com o aborto clandestino, jogam com as palavras e com mentiras. (...) E não nos perguntem mais pelas dez semanas e um dia.
    (Helena Pinto, deputada do Bloco de Esquerda)

  • Não mates nem estragues, porque, como não sabes o que é a vida, excepto que é um mistério, não sabes o que fazes matando ou estragando, nem que forças desencadeias sobre ti mesmo se estragares ou matares.
    (Fernando Pessoa)

  • Nunca lhe ocorreu que às vezes há quem vá para a cama com os copos?
    (António Figueira, em defesa do Sim, a propósito da questão das gravidezes indesejadas acidentais)

  • Confesso: não estou nada optimista quanto ao referendo sobre a IVG. Não acredito neste povo inculto, analfabeto e hipócrita. Não confio nos portugueses; acho-os demissionistas, conformados, pior, mesquinhos e ignorantes.
    (André Carapinha, apoiante do sim, sobre o que pode correr mal)

  • Na barriga da mulher grávida não está nenhuma criança. Ela está na tua cabeça. Ou na cabeça da mãe. Se está na cabeça da mãe, ela está na barriga, existe mesmo de verdade, merece todo o amor e protecção. Mas se só está na tua cabeça, e não na dela, não está na barriga da mãe. É verdade, o que temos na nossa cabeça existe mesmo, é real. Mas não tens o direito de plantar as criaturas da tua cabeça na barriga duma mulher sem o seu consentimento.
    (João Sedas Nunes, do blogue sim-referendo)

    Ver mais.

Por que é proibido o aborto na URSS?

Veja aqui a transcrição de um editorial da edição clandestina portuguesa do Jornal «Avante!» - Órgão do Partido Comunista (4ª Semana de Novembro de 1937).

06/02/2007

Para que ninguém vote enganado

Cristina Líbano Monteiro, Faculdade de Direito da Univ. Coimbra, n'O Público de hoje:

O PÚBLICO divulgou uma sondagem de opinião, na qual o "sim" à "despenalização" do aborto até às dez semanas de gravidez alcançava uma clara vitória, com quase 70 por cento das intenções de voto. Porém, em caixa à parte, apontava contradições nos resultados. Na verdade, dizia, a "maioria dos votantes não autoriza IVG por "desejo" da mulher". Ou seja: a acreditar nesta sondagem, o "sim" ganharia afinal com os votos dos que não aceitam o aborto a pedido, com os votos, portanto, dos que quereriam votar "não".

Por estranho que possa parecer - e é isto que interessa sublinhar -, num referendo que muita gente considera de enorme importância para o país (uma questão prioritária, informava ainda o inquérito), uma boa parte dos portugueses ainda não percebeu o que está em causa. Gente rude, pouco dotada, distraída? Talvez não. Provavelmente, gente vítima de um jornalismo, de uma televisão, de uma rádio, de pretensos esclarecedores ou fautores da opinião pública que - por incompetência ou má fé, pouco importa para o resultado final - não consegue explicar aos eleitores, ou não deixa que quem consegue o explique, que no dia 11 de Fevereiro só deve votar "sim" quem acha que o aborto a pedido, simplesmente por desejo da mulher grávida, há-de ser autorizado até às dez semanas de gravidez.

Votar "sim" significa que se está de acordo em que uma mulher, cuja vida ou saúde não estão ameaçadas pela gravidez, deve poder abortar impunemente o filho, em princípio saudável, que vive nela como fruto de relações sexuais livremente mantidas; acrescendo que ninguém a questionará sobre os motivos do seu desejo e, se porventura o fizer, a resposta poderá limitar-se a um simples "porque sim". Em suma: apenas hão-de votar "sim" aqueles e só aqueles que concordem que, até às dez semanas de gravidez, a sociedade deve conceder à mãe o poder de dispor livremente da vida do filho.

Todos os outros, os que não se revêem no que acaba de ser dito, incluindo os que entendem justificado um aborto nos casos de risco para a vida ou para a saúde da mãe, de malformação ou doença grave do feto, de gravidez resultante de violação ou outro crime contra a liberdade sexual, todos esses devem votar "não". Porque votar "não" mantém intocado o regime vigente - previsto desde 1984 no art. 142º do Código Penal -, segundo o qual a "interrupção da gravidez" já não é crime precisamente nessas circunstâncias, ou seja: se for realizada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida; se for de prever que o filho virá a sofrer de doença grave ou malformação congénita incuráveis; se a gravidez tiver resultado de crime sexual. Estes casos -repete-se - já são permitidos e não fazem parte da pergunta do referendo.

Votar "não" significa, portanto, apenas e justamente, opor-se a que as leis do país passem a autorizar o aborto a pedido, o aborto por simples desejo da mulher.

De uma vez por todas e para que ninguém vote enganado: não se fale mais de crianças deficientes ou mal-formadas, de mulheres violadas ou em desespero por a sua saúde não aguentar uma gravidez levada a termo. Abortar nessas situações dramáticas há muito que não é crime em Portugal. E tão-pouco passará a sê-lo se ganhar o "não" no próximo dia 11 de Fevereiro.

Basta de desinformação.

Num Estado de direito democrático, enganar os eleitores ou deixá-los no erro em que se encontram representaria mais do que uma estratégia ilícita de vitória. Esvaziaria de conteúdo a votação em causa, retirando-lhe até a pretensa capacidade de legitimar - ao menos no plano político - a mudança de lei que alguns propõem.

05/02/2007

Sim+Não+Não = Assim Não!

Para todos os que ainda não sabem bem o que votar, um esclarecedor e inquietante texto:

Graça Franco, n'O Público

O que me impressionou foi o silêncio. Espesso. Pesado. Agarrado às cadeiras rotativas do estúdio como se lhes roubasse de repente o movimento. E só por isso volto ao tema. O tom inquisidor produzira efeito. E eu, em casa, acordando para "a culpa" a responder à intimação de dedo em riste, que me vinha do lado de lá do televisor, num apressado exame de consciência: será que eu soube alguma vez de um aborto realizado por alguém próximo ou longínquo e, "em coerência" (segundo a invectiva de Vital Moreira), não me agarrei de imediato ao telefone para denunciar o crime e exigir a rápida punição dos envolvidos?
E não é que não? Mesmo sem localizar com clareza o momento exacto (quem sabe os meus amigos me poupam a um certo tipo de desabafos... ou no meu meio "privilegiado" essa não seja mesmo a solução corrente!). Tenho a certeza que não. Dei comigo, aliás, a constatar que a figura de denunciante não faz o meu género. Excepto uma meia dúzia de vezes e sempre pelo mesmo motivo. Como daquela vez que já aqui contei. Nos idos de Abril. Quando o Ribeiro espancou, pela milionésima vez, a pobre D. Esmeralda. Veio-me de novo à ideia a figurinha da senhora, frágil, no seu casaquinho de malha preto, num luto antecipado por si própria. E estremeci à ideia de o Ribeiro poder alguma vez ter exigido à pobre senhora que abortasse? Era bem capaz! A avaliar pela descrição do bicho e pela amostra que presenciei. E iria eu apontar o dedo à D. Esmeralda, perante o escárnio do vómito do Ribeiro?
De repente apeteceu-me estar também nos Prós e Contras. Só para saber se, por acaso, naquele palco, naquela plateia, também o silêncio responderia a esta questão: quem sabendo que alguém das suas relações próximas, ou remotas, era vítima sistemática de violência doméstica (sendo regularmente insultada, maltratada, violentada, espancada, etc...) já tinha denunciado o criminoso, enviando-o com guia de marcha para o merecido calabouço? A violência doméstica já é crime!
Quantos diriam SIM? Muitos, poucos? Nenhuns? Ou na sala perpassaria o mesmo silêncio pesado? A esvair-se pelos cantos das bocas em trejeitos de culpa? Ou o silêncio daria antes lugar a um risinho nervoso, incomodado? Do género: Eu? Se já denunciei o senhor juiz do oitavo andar? O polícia do quarto? O primo Óscar? O pai da Ana da turma da Joaninha? O Sousa? Se já fiz queixa à polícia do patrão? E com que provas? Arriscando-me à fúria da família? Aos escândalos à minha porta. Com a mulher chorosa invectivando-me porque lhe roubara a companhia do "monstro que ela amava" e lhe deixava os filhos sem educação. Já para não falar da humilhação causada aos descendentes do polícia ou do juiz que assim os veriam enviados para a cadeia pelos respectivos pares.
E antes do programa ir para intervalo talvez houvesse ainda tempo para perguntar à plateia se, mesmo assim, e sem nos pretender transformar num país de "bufos", acreditavam que a lei podia, "criminalizando" essa ou outras condutas, ter algum efeito dissuasor? Útil pelo menos do ponto de vista da sinalética legal. Não que eu queira comparar aborto e violência doméstica, mas só para concluir que o facto de a sociedade pactuar com um certo tipo de comportamentos aplicando simples censura moral não é caso para os legitimar e, menos ainda, para os legalizar ou financiar com os nossos impostos. Pelo contrário, muitos progressos civilizacionais (e a luta contra a violência doméstica é um deles) podem passar exactamente pela opção oposta. Por quebrar esse pacto social e um belo dia dizer: Basta!
Como escrevia Jacinto Lucas Pires, "do que se trata é de discutir se o direito deve ter um fundamento ético mínimo ou se é apenas a regulação convencional do "facto consumado"".
Partilho com o cronista do DN o escândalo perante o baixar de braços, nesta batalha, dos que se dizem de esquerda. Os que consideram que a sua luta em defesa dos mais pobres e dos mais fracos não passa por lhes garantir todos os meios para poderem responsavelmente exercer o direito a ter o número de filhos que muito bem entenderem, mas por lhes oferecer "grátis" nos hospitais públicos o "desembaraço" daqueles a quem não poderão alimentar com o fruto do seu trabalho.
Se eu fosse uma daquelas mulheres trabalhadoras a que se referia Jerónimo de Sousa no seu discurso pró-SIM, forçadas a abortar porque a alternativa é perder o emprego ou passar a entregar todo o seu salário para pagar uma creche, não queria que ele lutasse pelo meu direito a abortar. O que eu exigiria a um dirigente comunista era a defesa do direito de todas as mulheres trabalhadoras a não serem despedidas quando engravidam, a serem reintegradas depois da gravidez e a disporem de creches gratuitas, horários de trabalho compatíveis, salários justos e apoios estatais à maternidade, reconhecendo-a como um bem económico e social precioso. A tudo isso eu voto SIM.
Mas o que vai a votos não é isso, e, embora paga com os nossos impostos a liberalização do aborto até às dez semanas, é uma medida bem mais fácil e baratinha do que uma política de intervenção social de apoio à maternidade das mulheres trabalhadoras (do tipo das adoptadas por Blair na Grã-Bretanha, pelos socialistas franceses ou pelo actual Governo alemão). Em Portugal o que vai a votos é a típica medida de cariz liberal e capitalista que Jerónimo de Sousa não deixaria de rotular, noutras circunstâncias, "da direita". As clínicas privadas de abortos passarão a ser parcialmente sustentadas com as verbas desviadas do SNS. Rentabiliza-se-lhes o negócio e, em contrapartida, passarão a pagar IRC, coisa que actualmente, por "falta de eficiência fiscal", ainda não se consegue cobrar às abortadeiras de vãos de escada.
Mas o PC, como a extrema-esquerda e como alguns intelectuais, como Lídia Jorge, argumentam hoje com os mesmos dados do problema de há trinta anos (como se ainda não houvesse ecografias num mundo das ecografias a 4D), como se a informação e contracepção não estivesse generalizada. Falar hoje de "coisa humana" não é um insulto à "coisa" é sobretudo um insulto ao estádio actual da evolução da ciência e ao grau de conhecimento da humanidade. Se "coisa" fosse, porque se consideraria "dramática" a sua eliminação? O drama resulta de se saber que aquela vida, com olhos, braços, pernas, e coração a bater é um filho. E essa "eliminação" tem nome. E coração é coração, por muito que aquele senhor dos Médicos pela Escolha venha agora dizer que o órgão que qualquer mãe ouve bater na primeira ecografia a não sei quantas pulsações por minuto é apenas e tão-só uma outra "coisa" qualquer. Demagogia sem limites!
Não é por acaso que na tal Europa desenvolvida, a que aprovou há trinta anos leis liberalizadoras (desconhecendo nessa ocasião o que hoje os neonatologistas nos mostram até à exaustão) a experimentação embrionária é proibida a partir do 14.º dia e não até às dez semanas. Porquê? Óbvio não é?
Dia 11 vai perguntar-se aos portugueses se dizem sim ou não a uma pergunta múltipla, confusa e ambígua. Creio mesmo que poderia ter sido com vantagem substituída por três: É favorável à despenalização, em certas circunstâncias, da mulher que aborte? É favorável à liberalização do aborto (a pedido da mulher e sem invocação de nenhum motivo) desde que praticado até às dez semanas? E finalmente: Acha que o aborto deve ser livre e gratuito nos hospitais públicos desde que praticado até às dez semanas? Assim ficava tudo mais claro. Eu responderia Sim, Não, Não. O que obviamente não é igual a SIM. Quando muito resulta em Assim Não! Como bem concluiu o professor Marcelo.
E dado que o professor já juntou um número de penalistas suficientes para resolver essa questão da ameaça da cadeia, pode o SIM dormir descansado e tranquilamente votar NÃO! Caso o que pretenda seja apenas conseguir a despenalização desejada das tais mulheres que abortam em estado de necessidade desculpante (como diz o prof. Freitas). Está conseguida. Basta ganhar o NÃO. A menos que a pergunta não seja directa e o que se pretenda seja mesmo a liberalização do aborto até às dez semanas, sem sequer estar sujeita ao aconselhamento dissuasor como na Alemanha, mas tão-só porque se considera ser esse "um direito da mulher". E até às dez semanas porque, pelo menos para já, não se tem coragem de ir mais longe como queria o PS no seu projecto inicial... É esse sim o meu receio e por isso votarei Não, Não, e uma vez mais NÃO!

Uma posição ateísta pelo Não

Artigo do Diário Ateísta, gentilmente cedido pelo autor, Ricardo Pinho:

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»


Não.

Mesmo que me digam que abortar é moderno. Mesmo que me digam que a Igreja é pelo Não, e que como ateu deveria ter a posição contrária. Mesmo que me digam que se se trata de dar mais direitos às mulheres. Porque não acredito em nada disto.

Confesso que ainda considerei abster-me, por ter dúvidas. Nesta questão, os juristas dividem-se. Os médicos dividem-se. Mas são as minhas dúvidas sobre se um humano com nove semanas e seis dias tem menos direito à vida do que um mesmo humano com dez semanas e um dia, que me levam ao voto Não.

Acredito que a liberalização do aborto viola os direitos humanos fundamentais: É contrária ao texto e ao espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 3º diz que «Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal». E o artigo 24º da Constituição da República Portuguesa que afirma que - no 1º parágrafo - «A vida humana é inviolável». Ao responder Sim a esta questão prescindimos do direito à vida humana do indivíduo por nascer.

Ao longo da história cometeram-se atrocidades contra a humanidade por não se reconhecer humanidade às suas vítimas. Os hereges foram diabolizados e por isso torturados e queimados até à morte; os povos africanos não eram vistos como mais que animais de trabalho, e por isso escravizados até à morte. Foram os pioneiros do pensamento progressista os primeiros a reconhecerem-lhes humanidade. E agora, com o aborto, o que vemos? Vemos que se vende a ideia de modernidade ligada a uma espécie de pena de morte, a título duma ideia de liberdade sexual antiquada e assente nos ideais de irresponsabilidade dos anos setenta do século passado.

Porque, convenhamos, uma mulher não engravida espontaneamente. Um feto não é um tumor que aparece não se sabe como. Criticamos o Vaticano por afirmar que o preservativo não previne a 100% uma gravidez, e agora vimos sustentar a desresponsabilização do acto sexual pelo facto dos métodos contraceptivos não serem 100% eficazes?

Colocar esta questão como uma «perseguição às mulheres» é uma forma desonesta de transformar uma discussão dos direitos humanos para uma questão que não é só das mulheres. Ao atribuir à mulher - «por opção da mulher», entre vírgulas, como lemos na questão - e só à mulher a decisão, anulam-se os direitos de paternidade dos homens. À luz desta liberalização, não estaríamos apenas a dar direitos às mulheres - estaríamos a retirá-los por completo aos homens, que deixam de poder ficar com filho mesmo que a mãe não o deseje, assim como retiraríamos do conceito de paternidade tudo o resto que não o mero dispensar de espermatozóides.

Seja em que campanha for, seja para defender o que quer que seja, parece ser de consuetudo chamar «hipócrita» aos defensores da posição contrária. Para que este meu humilde texto não destoe da formatação em vigor, permitam-me agora que insinue ser hipócrita a defesa da liberalização do aborto duma vida humana em estágios de complexidade superior ao de animais melhor protegidos por sociedades protectoras desses.

Outros epítetos lançados aos defensores do Não ficarão por responder, por indisponibilidade de fazer desta séria discussão, um exercício de adjectivação agressiva ao estilo de Francisco Louçã agora amplamente imitado por outros movimentos e partidos. Parece-me agressivo contra a vida, isso sim, vir a financiar abortos num país onde as fertilizações in vitro não o são.

Votar Sim não resolve o problema das mulheres que querem abortar às 11 semanas. Votar Sim não resolve o problema da privacidade das mulheres que abortariam, pois segundo o que o Ministro Correia Campos alertou, «o anonimato seria impossível em hospitais públicos». E convidado a calar-se.

Um ministro que é convidado a não dizer nada que não vá contra a posição oficial partidária. Dos catorze movimentos pelo Não para cinco pelo Sim, estabelece-se que o tempo de antena será divido por posições e não por movimentos, como se nas legislativas se dividissem os tempos entre «esquerda» e «direita». Os defensores do Não estão em terreno desfavorável.

Como ateus, sabemos que o ser humano é criação dos humanos. Sejamos então conscientes e responsáveis.

Voto em consciência. Voto sobretudo em nome daqueles que ainda não são conscientes, tendo ou não nascido, porque se tudo correr bem, tê-la-ão.

03/02/2007

SIM SIM SIM SIM... A QUÊ?

A VERDADE SOBRE O SIM EM 3 PASSOS:

PASSO 1

PASSO 2

PASSO 3

Acrescento aquela que é, para mim, a mais profunda reflexão escrita em português sobre o tema, do Professor João Carlos Loureiro, da Universidade de Coimbra.

Imprensa espanhola sobre nós...

Até eles já perceberam...

Portugal: nuevo intento de legalizar el aborto a petición
La ley actual permite ya el aborto en condiciones similares a las de España, pero se aplica con rigor

31-01-2007
012/07

El próximo 11 de febrero los votantes portugueses podrán pronunciarse sobre la legalización del aborto a petición durante las 10 primeras semanas del embarazo, en un referéndum que repite la propuesta ya hecha en 1998 y que entonces fue rechazada.

La ley portuguesa en vigor ya permite el aborto: 1) en cualquier momento de la gestación, si es el único medio de evitar a la embarazada un peligro de muerte o de lesión física o psíquica grave e irreversible; 2) hasta las primeras 12 semanas, si es solamente "indicado" y no el "único medio" para resolver cualquiera de los supuestos anteriores; 3) hasta las 16 semanas, si el embarazo se debe a violación; 4) hasta las 24 semanas, en caso de "grave enfermedad o malformación congénita" del feto.

Por lo tanto, lo que ahora se plantea es la legalización del aborto a petición. Ahora los 9 millones de portugueses votantes tendrán delante la pregunta: "¿Aprueba usted la despenalización de la interrupción voluntaria del embarazo si es realizada, por opción de la mujer, en las primeras diez semanas, en un establecimiento sanitario legalmente autorizado?".

Del lado del "sí" se promete acabar con la humillación de juzgar a mujeres que abortan, y combatir el aborto clandestino, sobre el que se aducen alarmantes "datos": aseguran que en Portugal se producen de 20.000 a 40.000 abortos clandestinos anuales, por los que miles de mujeres deben recibir atención hospitalaria, y muchas otras son condenadas.

En realidad, la ley portuguesa no es más restrictiva que la española, pero los supuestos de despenalización admitidos se aplican estrictamente: así, mientras en España se produjeron 85.000 abortos en 2005, en Portugal fueron 906 abortos legales; en ese año hubo 73 casos, y no millares, de mujeres atendidas en hospitales por consecuencias de abortos clandestinos, que se estiman en torno 1.800 anuales. Y aunque unas 25 mujeres fueron llevadas a juicio por casos de abortos clandestinos, fueron absueltas o condenadas a una multa, con lo que ninguna mujer está en la cárcel por este motivo.

Un escenario político distinto al de 1998

El referéndum del 11 de febrero repite la pregunta que ya se realizó en el de 1998, pero en un escenario político distinto. En 1998 comunistas y extrema izquierda (8,5% de los votos en las legislativas) estaban del lado del "sí"; socialdemócratas (34%) y centristas (9%) estaban a favor del "no"; y los socialistas, aunque en el gobierno y con el 43% del electorado, tenían una postura de "sí, pero", ya que su líder y primer ministro estaba por el "no".

Así que se esperaba una victoria del "sí", como lo indicaban todas las encuestas previas al referéndum, que al final dictaminó la victoria del "no" por 44.000 votos más que el "sí". Un resultado que divide el país en dos, como se ve en la imagen.

Ahora algunas cosas son distintas. El gobierno socialista apuesta fuerte por el "sí", con el primer ministro Sócrates muy activo. Además de su partido, con mayoría absoluta en el parlamento y el 45% del electorado, están a favor de la reforma los comunistas (7%) y los de extrema izquierda (6%). Por el "no" se pronuncian solo los centristas (7%), un partido que además está profundamente dividido en su interior por otras razones. Los socialdemócratas (28%) no tienen posición oficial, aunque su líder ya manifestó estar por el "no".

Se prevé que el presidente de la República, Cavaco Silva, elegido hace un año, no se pronuncie en ningún sentido, para mantener su imparcialidad. Las encuestas –se han hecho 12– apuntan de nuevo a una victoria del "sí", aunque con menos ventaja que en las encuestas de hace 9 años.

Confusión sobre la pregunta

La pregunta es la misma que en 1998, pero se ve que es cada vez más difícil comprender de qué va el asunto. En el debate público, todos –"sí" y "no"– dicen que el aborto es un mal, que nadie quiere encarcelar a las mujeres que abortan. Todos dicen estar por la vida y por la mujer, sólo que unos dicen "sí" y otros "no".

El "no", representado sobre todo por grupos cívicos ajenos a los partidos, está haciendo hincapié en que la nueva ley aumentaría el número de abortos y, con eso, el sufrimiento de las mujeres. Se exige más apoyo a la maternidad: en Portugal una familia con una renta anual de 20.000 euros y dos hijos mayores de 1 año, recibe un subsidio anual del Estado de 580 euros.

La confusión y el cansancio del debate se reflejan en los datos de las encuestas. Menos del 50% del electorado está decidido a votar. Y lo más curioso es que aunque la mayoría está a favor del "sí", son más (el 45%) los que dicen que no se debe autorizar el aborto "cuando la madre no desea tener un hijo", que es precisamente lo que se somete a referéndum.

Resistencia del sector médico

El ministro socialista Correia de Campos, en entrevista a la agencia Lusa, declaró que era muy bajo el número de abortos realizados en el sistema público hospitalario. Para que pueda haber más abortos realizados al abrigo del sistema nacional de salud pretende concertar a clínicas privadas, en concreto a españolas, pues prevé que los hospitales públicos se resistan.

A la cadena SIC reconoció, días después, que si se aprueba la liberalización, el aborto será considerado como cualquier otro acto médico y los servicios de ginecología y obstetricia de los hospitales públicos tendrán que realizarlos, o bien encaminar a las mujeres al sector privado, por cuenta del presupuesto del hospital. Según la cadena SIC, Correia de Campos se inspiró, en muchas de estas intenciones, en la ley española.

En España, el 97% de los abortos se realizan invocando el riesgo para la salud de la madre, lo que en la práctica se reduce al peligro para la salud psíquica, certificado por un psicólogo que proporciona la propia clínica abortista. En Portugal, un informe de la Orden de Médicos realizado en 2004 por psiquiatras afirmaba que no es el embarazo lo que puede causar daños psíquicos, y si estos existen, el aborto puede empeorarlos. El informe consideraba que la aplicación de la ley portuguesa a este respecto es correcta, pues obedece a "criterios científicos"; en cambio, en España se da "una práctica negligente y abusiva de la ley" (ver Aceprensa 164/04).

Dinamismo de la sociedad civil

La blogosfera es la gran novedad con respecto al debate anterior, como espacio de discusión alternativo a la prensa, radio y televisión, y en ella el número de voces por el "no" supera con creces a las del "sí": un panorama inverso al de los otros medios. En estos medios tradicionales la preferencia –no siempre expresa– por la liberalización es patente, aunque no faltan excepciones. "Correio da Manhã", el diario con más tirada del país, publicó su estatuto editorial donde se afirma defensor de la vida y de la familia. "Sol", semanario fundado hace cuatro meses por José António Saraiva, agnóstico, antiguo director del "Expresso", semanario de referencia, se expresó varias veces en defensa incondicional de la vida desde la concepción hasta la muerte natural. Y naturalmente "Radio Renascença", emisora del episcopado, la radio con más audiencia.

El dinamismo de la sociedad civil es otra novedad. Se han inscrito 14 grupos cívicos del "no" y 3 del "sí", cada uno con al menos 5.000 firmas. En 1998 eran 4 grupos del "no" y 3 del "sí". Si los partidarios del "sí" ya tienen voz en los partidos socialista, comunista y de extrema izquierda, los partidarios del "no" solamente se van a poder oír a través de los grupos cívicos que participan en la campaña del referéndum.

Otro elemento nuevo es el interés inusual con que la prensa nacional está siguiendo todo lo que digan, escriban o prediquen los obispos y hasta los curas de aldea, cuando lo "normal" es el desinterés. Un interés inusual pero no del todo inesperado. Es patente que se quiere presentar el "no" como algo reducido a la Iglesia católica, y dentro de ella a las voces oficiales, asociándola a citas, contextos y lugares no del todo representativos de su mensaje.

ACEPRENSA

01/02/2007